O ICMS incidente nas transferências entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica e o recente posicionamento do STF

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talquimy

Data: 16.05.2021

Há algum tempo, o governador do Estado do Rio Grande do Norte havia ajuizado, perante do Supremo Tribunal Federal (STF),  uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) com o intento de ver declarados constitucionais os dispositivos normativos constantes dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal nº 87/1996 (Lei Kandir), dispositivos que traçam normas gerais em matéria tributária, especificamente em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), notadamente quando da definição de seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (CF, artigo 146, III, “a”), tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal.

Nesse sentido, a ADC nº 49, de relatoria do Min. Edson Fachin, foi alvo de apreciação pelo plenário da Corte em sessão de julgamento realizada no dia 19.04.2021, julgando assim improcedente o pedido formulado, de modo a entender que as operações de circulação de bens denominadas de transferências, realizadas entre estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa jurídica, não deveriam ser objeto de tributação pelo imposto estadual, ainda que se tratem de operações de transferência interestadual.

Os dispositivos da Lei Kandir declarados inconstitucionais foram redigidos dispondo o seguinte:

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

(…)

§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:

II – é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular.

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;

(…)

Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

(…)

§ 4º Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é:

I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;

II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento; III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente. (grifos nossos)

Ademais da jurisprudência citada e referenciada pelo Ministro Relator em seu voto vencedor, tanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como do STF (v.g., ARE 1.255.885/MS), o que inclui a famigerada Súmula 166 do STJ[1] (com referência a dispositivos constantes do Decreto-Lei n. 406/1968, arts. 1º, I, §§ 2º e 6º, e 6º, § 2º), importante destacar ainda que a Corte Suprema se filiou à interpretação que atribui ao significado do vocábulo “circulação” o sentido de que se trataria de uma circulação jurídica, que implicasse a transferência da propriedade do bem que estaria sendo transacionado, e não de uma circulação econômica da mercadoria.

Importante destacar que um dos motivos que acarretou a necessidade de o STF vir a se pronunciar de forma definitiva acerca do tema decorreu do fato de que havia decisões, inclusive bem posteriores à edição da referida Súmula 166 do STJ, além de outros julgados, discutindo, por exemplo, qual seria a base de cálculo a ser aplicada nas transferências, com fundamento na “última entrada” ou no “custo de aquisição”, como se o referido dispositivo da Lei Kandir e aqueles que o reproduzem dos Estados pudessem ser plenamente aplicados, como se depreende do seguinte julgado:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. BASE DE CÁLCULO. ESTABELECIMENTOS. MESMO TITULAR. TRANSFERÊNCIA ENTRE FÁBRICA E CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO. ARTIGO 13, § 4º, DA LC 87/96.

1. Discute-se a base de cálculo do ICMS em operações efetuadas pela recorrente entre a Fábrica (SP), o Centro de Distribuição (SP) e a Filial situada no Rio Grande do Sul. Precisamente, a controvérsia refere-se à base de cálculo adotada na saída de produtos do Centro de Distribuição com destino ao Estado gaúcho, o que demanda a interpretação do artigo 13, § 4º, da LC 87/96.

2. Em resumo, a recorrente fabrica mercadorias em São Paulo-SP e as transfere às filiais espalhadas pelo Brasil. Em virtude do grande volume, utiliza, algumas vezes, o Centro de Distribuição localizado em São Bernardo do Campo-SP, antes de proceder à remessa.

3. Constatou o aresto que, na saída das mercadorias do Centro de Distribuição paulista, a recorrente registrava como valor das mercadorias um preço superior ao custo de produção, próximo ou maior do que o valor final do produto (nas alienações ocorridas entre a Filial gaúcha e o comércio varejista ou atacadista daquele Estado).

4. A sociedade empresária recolheu aos cofres paulistas ICMS calculado com base no valor majorado, gerando crédito na entrada dos bens na Filial do RS, onde a alienação das mercadorias a terceiros acarretou débito de ICMS, que acabou compensado com os créditos anteriores pagos ao Estado de São Paulo. Em consequência, concluiu o acórdão recorrido: “… o Estado de origem acaba ficando com todo o imposto, e o Estado de destino apenas com o dever de admitir e compensar os créditos do contribuinte” (fl. 1.172v).

5. A questão jurídica em debate, portanto, refere-se à base de cálculo do ICMS na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado do mesmo titular – artigo 13, § 4º, da LC 87/96.

6. Na espécie, por diversas razões a base de cálculo do ICMS deve ser o custo da mercadoria produzida nos termos do artigo 13, § 4º, II, da LC 87/96 (e não a entrada mais recente).

7. Em primeiro, a interpretação da norma deve ser restritiva, pois o citado parágrafo estabelece bases de cálculos específicas. Em segundo, os incisos estão conectados às atividades do sujeito passivo, devendo ser utilizado o inciso II para estabelecimento industrial. Em terceiro, a norma visa evitar o conflito federativo pela arrecadação do tributo, o que impede a interpretação que possibilita o sujeito passivo direcionar o valor do tributo ao Estado que melhor lhe convier.

(…)

16. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte”.

(REsp 1109298/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 25/05/2011)

Assim, devido à incongruência de algumas decisões que mais recentemente estavam tratando do tema, sem uma coerência com outras decisões proferidas pelo mesmo tribunal, faz-se importante salientar que já havia, pelo menos, duas correntes doutrinárias que tratam da configuração do fato gerador do ICMS, a partir da ideia de circulação, e que influenciavam a jurisprudência dos tribunais, quais sejam (i) aquela que pressupõe a circulação econômica mercantil, sem a necessidade da transmissão ou transferência jurídica da propriedade do bem objeto de circulação, necessitando-se somente de seu caráter mercantil, isto é, especulativo, seguindo uma marcha econômica desde a produção (o que incluiria a importação) até o consumo e (ii) aqueloutra que pressupõe que exista a efetiva transmissão ou transferência de propriedade da mercadoria, conforme seu conteúdo privatístico, pressupondo assim a existência de um negócio jurídico que lhe dê suporte.

A primeira foi exatamente aquela que teria prevalecido quando da redação original da Lei Complementar n. 87/1996, ao dispor claramente sobre a possibilidade de tributação nas operações de transferências entre filiais, ou entre filiais e matriz, da mesma pessoa jurídica, assim como veio a estabelecer a denominada autonomia patrimonial e tributária dos estabelecimentos de um mesmo titular em matéria de ICMS, incluindo a sua apuração e o atendimento de obrigações acessórias por parte de cada estabelecimento de seu titular.

Antes de se perquirir acerca de quais poderiam ser as repercussões geradas a partir dessa recente decisão do STF, constante da ADC nº 49, vale ressaltar que importante parcela da doutrina[2], notadamente em função da necessidade de fazer valer a não cumulatividade –  que faz com que o imposto não venha a incidir em cascata ao longo do ciclo mercantil –  já se filiou (ou ainda se filia) ao entendimento de que a circulação que deveria ensejar o fato gerador do ICMS, sucessor do antigo ICM, seria a circulação econômica, tendo em vista que a transferência entre estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa jurídica pode implicar em uma marcha desde sua produção até o consumo do bem transacionado, mantendo-se assim, com a não cumulatividade, sua neutralidade ao longo da cadeia mercantil. Como bem esclareceu o professor Roberto Sampaio Dória:

“(…) na criação do ICM, teve-se em mira – e isso ficou bastante claro nos trabalhos de reforma da época – criar um imposto com uma realidade econômica definida, isto é, a circulação de mercadorias, entendida como uma daquelas etapas do processo produtivo, sem qualquer vinculação com o negócio jurídico de que se pudesse estar revestida.”[3]

No mesmo sentido, reproduzem-se as lições de Hugo de Brito Machado:

Circulação quer dizer, aqui, a movimentação econômica. A marcha que as coisas realizam desde a fonte de produção até o consumo. Essa movimentação econômica geralmente acontece mediante a mudança da propriedade das coisas, em face do princípio da divisão do trabalho, ou da especialização. Quem produz, industrializa, fabrica, geralmente não se dedica à distribuição, ao comércio, das coisas. O produtor da coisa geralmente não cuida de sua distribuição, não pratica os atos necessários a que a coisa chegue até o consumidor. Por isto diz-se que a circulação decorre da mudança de propriedade. Essa ideia de mudança de propriedade, porém, não é adequada para expressar a ocorrência do fato gerador do ICMS, pois é possível que uma coisa seja produzida por uma empresa, seja por ela própria distribuída em todo o território nacional, e também por ela a final vendida ao consumidor, utilizando-se essa empresa de vários estabelecimentos seus.

A mudança de propriedade é bastante para configurar a circulação, mas não é indispensável.”[4]

Nesse momento, importante destacar que quem geralmente defende que a circulação econômica pode ensejar o fato gerador do ICMS, ou antigo ICM, não rejeita a possibilidade de a incidência se dar, igualmente, em situações em que ocorre especificamente uma circulação jurídica[5], com base naquilo que já estava disposto para fins de incidência do imposto antecessor ao ICMS, ou seja, o ICM, este vigente à época do antigo Decreto-Lei nº 406.

Além disso, o maior problema que subsiste em decorrência da tributação das transferências se refere às operações de transferência ditas interestaduais, isto é, que implicam a saída de um bem localizado em um determinado Estado da Federação com destino a outro Estado, ambos com competência impositiva para instituir e cobrar o referido imposto.

Isso tendo em vista que, por exemplo, uma venda tributada realizada a partir estabelecimento filial localizado no Estado de destino seria feita sem direito ao abatimento do crédito supostamente suportado pela “tributação” da operação imediatamente anterior a essa mesma venda, já que essa operação que lhe antecede implicaria em uma transferência entre estabelecimentos do mesmo titular, não sujeita à incidência do imposto, gerando, inclusive, um problema federativo a ser solucionado.

Tal problema, em regra, não se reproduz em outros países, diferentemente ao que ocorre no Brasil, haja vista que a tributação incidente sobre operações que impliquem em circulação mercantil prevalece nas mãos seja de Estados unitários, seja na competência de ente federado com abrangência nacional.

Tal questão não passou despercebida por estudiosos que já se debruçavam há anos sobre o tema, como se depreende das palavras de Alberto Xavier, que, ao reconhecer as particularidades do sistema brasileiro de tributação do fenômeno da circulação mercantil, que diferia de outros países, alertou o seguinte fato:

“Com efeito, enquanto nos Estados unitários existe apenas um sujeito passivo habilitado à cobrança do imposto, no Brasil – a tendendo à sua estrutura federativa e à discriminação constitucional de rendas, existe uma pluralidade de Estados potencialmente interessados na tributação. Assim, no caso de uma pessoa, física ou jurídica, ter a sua atividade econômica descentralizada por vários estabelecimentos distintos localizados em diferentes Estados coloca-se um problema de repartição do poder de tributar (…) Ora, foi precisamente para distribuir o poder de tributar a circulação de mercadorias entre os Estados onde se localizassem os diversos estabelecimentos da mesma entidade que o Decreto-Lei n.º 406 abriu, ao legislador ordinário, a faculdade de conceituar o estabelecimento como contribuinte do ICM.”[6]

Isso demonstra, de forma cabal, que a repercussão da decisão proferida e firmada pelo STF deverá produzir uma repercussão muito maior em relação àquelas operações de transferências interestaduais entre estabelecimentos pertencentes a uma mesma pessoa jurídica.

Nesse sentido, reflexos negativos da decisão são sentidos em relação ao crédito que deveria ser apropriado pelo estabelecimento destinatário da operação de transferência que venha a se localizar em outro Estado, qualificado como destinatário dessa mesma transação. Isso porque, em caso de não tributação da transferência, o crédito seria terminantemente vedado pelo texto constitucional (artigo 155, §2º, II, da Constituição Federal), o que deve acarretar em ônus financeiro do tributo a ser suportado, no final do dia, pelo consumidor final desse mesmo bem, tendo em vista que a sua sistemática de tributação com base na não cumulatividade deixa de existir, assim como a neutralidade pregada por aqueles que condenam a tributação em cascata, aos moldes do que ocorria com a antigo denominado Imposto de Vendas e Consignação (IVC), de incidência cumulativa, antecessor do ICM e do ICMS.

Haveria, assim, o provável enquadramento da regra constante do artigo 155, §2º, II, da Constituição Federal, segundo a qual “a isenção ou não incidênciasalvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; (b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”, conhecida como a “regra do estorno de crédito do imposto”, sendo prejudicial a diversos contribuintes.

Faz-se mister pontuar, em complemento ao já colocado, que foram mantidas ilesas normas da Lei Complementar nº 87, a exemplo dos artigos 17 e 25 da Lei Kandir, que preservam a autonomia dos estabelecimentos da pessoa jurídica, de forma que o julgado do Supremo deve ser interpretado de forma coerente com o pedido formulado nessa ação, de modo que a autonomia dos estabelecimentos fora afastada apenas para evitar a interpretação de que nas transferências de mercadorias possam ensejar o fato gerador do imposto estadual.

Vale salientar, ainda, que, em que pese a decisão do STF tenha representado uma manifestação ratificando a orientação jurisprudencial que vem prevalecendo há décadas no âmbito dos Tribunais Superiores, trata-se da primeira decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade julgada pela Excelsa Corte, e que possui efeitos erga omnes e vinculantes em relação às outras esferas de poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), de modo que os ditos dispositivos normativos declaradas inconstitucionais são formalmente excluídos do ordenamento jurídico, como se, em verdade, nunca tivessem existido.

Com toda essa repercussão gerada a partir da decisão do STF, constante da ADC nº 49, importante pontuar ainda que diversos outros pontos deverão ser suscitados, incluindo (i) a preservação do princípio da não cumulatividade e, consequentemente, do direito de manutenção do crédito do imposto em operações interestaduais, excetuando-se somente aquelas situações específicas nas quais o destinatário seja detentor de benefício fiscal (v.g., isenção, alíquota 0% etc.) ou saldo credor acumulado de ICMS; (ii) o questionamento acerca da criação de um tributo sobre circulação que incide exclusivamente sobre as saídas, e não sobre as saídas versus as entradas de mercadorias no estabelecimento; (iii) a possibilidade de flexibilização do princípio da autonomia dos estabelecimentos; (iv) a confusão criada na aplicação de determinados dispositivos constantes da legislação estadual, não preparada, na maioria das vezes, para fazer valer esse novo entendimento formado pelo STF, o que pode ensejar um venire contra factum proprium por parte dos Estados; (v) a necessidade de preservação do pacto federativo; (vi) a discussão acerca da possibilidade de que outras operações, com denominações diversas, a exemplo de algumas espécies de remessas, que igualmente não implicam transferência da propriedade civil do bem transacionado, poderiam ou não ensejar ainda o fato gerador do imposto, mesmo depois da posição firmada pelo STF; e (vii) a impossibilidade de se aplicar o regime de antecipação do tributo sobre uma base de cálculo inflada, dentre outras situações que ainda devem gerar maiores perplexidades.

Em suma, não há dúvida de que, para não se admitir que o STF tenha autorizado a cobrança de um regime eminentemente inconstitucional, incidente em cascada e sem parâmetro na não cumulatividade, como ocorria com o IVC no passado, algumas questões devem ser levantadas e, caso necessário, levadas à apreciação do Judiciário. 


[1] Súmula 166 do STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” (referência nos dispositivos constantes do Decreto-Lei n. 406/1968, arts. 1º, I, §§ 2º e 6º, e 6º, § 2º).

[2] Em que pese pressupor um negócio jurídico unilateral ou bilateral que dê sustentação para tanto, Pontes de Miranda admitia a incidência do imposto sobre circulação mercantil para situações que não necessariamente previam a transferência da propriedade do bem transacionado: “Os negócios jurídicos a que se liga o impôsto sobre circulação sòmente podem ser o contrato de compra-e-venda e outros assemelhados. Isso não quer dizer que não se possa prever a incidência do impôsto, no caso de amostras ou de remessas de mercadorias para demonstração, ou de remessa para provadura, por intermédio de agências, casa de representação, postos de venda, exposições ou cooperativas, ou em veículos ou em que haja alguém que possa concluir negócios jurídicos tributados.” (MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo II (Arts. 8º a 33). São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 490).

[3] DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Curso de direito empresarial 2: Direito Tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1976, P. 182.

[4] MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos fundamentais do ICMS. 2 ed. São Paulo: Dialética, 1999, p. 27.

[5] Diferentemente dessa doutrina que restringe a circulação àquela qualificada como jurídica, Hamilton Dias de Souza preleciona que “a circulação, por sua vez, poder ser a jurídica ou econômica. A primeira diz respeito aos atos jurídicos pelos quais os direitos são modificados, criados ou extintos e envolve necessariamente uma transferência de propriedade ou posse. A segunda considera apenas o tráfico de bens, fisicamente considerado. (…) Entendendo-se, porém, que circulação é o curso da mercadoria, da fonte de produção (expressão que inclui a importação) até o consumidor, e que em tal percurso ocorrem vários atos que operam ou não uma transferência de domínio ou de posse, pode-se concluir que, para efeitos de I.C.M., tanto a circulação econômica, quanto a jurídica, podem compor a incidência do tributo estadual.” (SOUZA, Hamilton Dias de. Fato gerador do I.C.M. In: Caderno de pesquisas tributárias, Coord.: MARTINS, Ives Gandra da Silva. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1978, p. 240).

[6] XAVIER, Alberto Pinheiro. Direito tributário e empresarial: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 293.

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O polêmico regime da separação obrigatória de bens e as causas suspensivas que o exigem

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Suchodolski

É largamente conhecido que casamentos (e mesmo uniões estáveis) iniciados quando um dos cônjuges tenha mais de 70 anos exige como regime de bens obrigatório a separação de bens.

No entanto, nos termos do artigo 1.641 do Código Civil, existem outros motivos que obrigam que o regime de bens adotado seja obrigatoriamente o da separação total, ainda que sem a escolha voluntária pelo casal.

Dentre estes motivos, estão, principalmente, os listados no artigo 1.523 do Código Civil.

É o caso, por exemplo, do viúvo ou da viúva, que, possuindo filhos advindos do casamento com o cônjuge falecido, resolve casar-se novamente antes de concluídos o inventário e a partilha de bens do referido cônjuge falecido.

Outra hipótese que também exige a separação de bens é a do divorciado que ainda não decidiu a partilha dos bens do casamento anterior, mas, ainda assim, inicia outro casamento ou união estável.

Como se pode observar, tais causas suspensivas[1] previstas pela legislação civil são temporárias. Nos exemplos acima, bastaria a conclusão da partilha dos bens do falecido ou do casal divorciado para que a causa suspensiva deixasse de existir.

Mas o que acontece nesses casos? O regime da separação permanece, já que quando do casamento ou início da união estável este regime foi obrigatoriamente adotado, ou o regime se modifica?

Ha pouquíssima discussão a este respeito.

Porém o que nos parece mais coerente, igualitário e justo é que deixando de existir as condições que obrigavam o regime da separação total de bens, tal regime seja automaticamente alterado para o regime padrão, que é o regime da comunhão parcial de bens. Isto se os cônjuges não escolheram um regime subsidiário, claro.

Por exemplo: para o caso do viúvo ou da viúva que, possuindo filhos em conjunto com o cônjuge falecido, casou-se antes de concluídos o inventário e a partilha dos bens do casal, após concluídos tais procedimentos, tornam-se inexistentes os motivos que justificariam a separação obrigatória de bens, levando-se à alteração automática do regime.

É de se reconhecer que a mudança do regime da separação obrigatória de bens para o regime padrão ou outro que seja da livre escolha dos cônjuges é garantia de que este protecionismo/intervencionismo do Estado na esfera de assuntos que são exclusivamente da vontade das partes ocorra na medida do mínimo possível.

Válido notar que para que se pudesse manter o regime da separação de bens (agora não mais a obrigatória, mas sim a convencional) seria necessário um pacto antenupcial, o que não se exige para a separação obrigatória de bens. Se os nubentes não o fizeram, entendemos que não há como o regime de bens continuar como separação, passando ao da comunhão parcial de bens.

Essa discussão parece extremamente teórica, porém é inegável o grande impacto dos regimes em uma separação ou sucessão, uma vez que, a depender do regime de bens, os cônjuges passam a ter direito a participação no patrimônio do outro cônjuge, inclusive concorrendo com descendentes em determinadas situações.

Por isso, quando se trata de direito de família, é extremamente necessário se atentar para os menores detalhes previstos em lei, pois estes detalhes farão enorme diferença no futuro.


[1] As demais causas suspensivas previstas no artigo 1.523 do Código Civil são:

(i) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

(ii) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

(Foto por Zoriana Stakhniv em Unsplash)

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O Trust e sua tributação.

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Suchodolski

O Trust tem origem remota no Direito Inglês, estruturado em conformidade com o que hoje denominamos de Common Law, datando o seu surgimento ainda da Idade Média, época em que era conhecido pelo termo “use”, este havendo sido introduzido na Inglaterra após a conquista normanda ocorrida no ano de 1066.

Nessa situação, as terras pertencentes à nobreza local foram usurpadas pelo governante Guilherme I, reconhecendo-as em forma daquilo que se intitulou por tenures, no bojo do sistema feudal[1].

Com a evolução histórica do Trust, sua utilização foi repassada dos ingleses para os norte-americanos, de modo que em quase todo o território estadunidense hoje é prevista, direta ou indiretamente, a referida figura negocial, sendo útil em diversas situações, que se fundamentam a partir de fenômenos tanto inter vivos como causa mortis.

Assim, segundo Verônica Scriptore Freire e Almeida, o Trust pode ser definido como a “(…) relação jurídica de origem anglo-saxônica que permite a uma pessoa (settlor), proprietária de bens ou direitos, passar a propriedade dos seus bens e direitos, em Trust, para uma outra pessoa (trustee) administrá-los.”[2] Por último, existe a figura do beneficiary (beneficiário), que será detentor do equitable title.

Façamos, com base nisso, um breve resumo de cada uma dessas figuras que o compõem.

No que diz respeito à figura do settlor (ou grantor), essa figura representa o fundador ou instituidor do Trust, assim como o proprietário inicial dos bens e direitos a ele destinados, devendo ser detentor de capacidade e legitimidade para manifestar e declarar a sua vontade no sentido da constituição da espécie jurídica do Trust.

Além disso, o settlor também possui a faculdade de estabelecer no trust instrument a revogabilidade ou irrevogabilidade do próprio Trust, o que pode acarretar impactos tributários. Caso seja revogável, o settlor poderá revogar e finalizar o Trust, tendo o trust property de volta para si. Na situação de irrevogabilidade, assinado o trust instrument, ele não pode mais ser terminado pelo settlor. Em outras palavras, ‘o instituidor pode se desvincular do patrimônio se ele for irrevogável e sua gestão couber discricionariamente ao trustee’[3].

Depois de ocorrida a transferência do patrimônio no contexto do Trust, o trustee deverá administrar o patrimônio que lhe foi atribuído de forma independente, possuindo o que se denomina de legal title, com a devida discricionariedade de como deve exercer e empreender essa administração, desde que venha a atuar em conformidade com as suas obrigações pessoais assumidas frente ao seu título de propriedade.

Assim, os poderes outorgados ao trustee podem ser classificados como expressos ou, até mesmo, implícitos, a depender de sua expressa referência, ou não, no denominado trust instrument, delineando todas as obrigações oponíveis ao trustee no contexto da detenção do seu “legal title”.

Assim, geralmente decorre do poder de administração de bens e direitos o (i) dever de prestação de contas, (ii) dever de não-delegação, (iii) dever de lealdade e de informação, (iv) dever de imparcialidade[4], dentre diversos outros, o que dependerá de cada relação-jurídica formatada sob o manto desse instituto, sendo o trustee responsável por eventuais danos causados aos beneficiários quando proceder com negligência ou imprudência na administração dos bens e direitos constituídos em Trust.

Logicamente, e em decorrência dos aspectos já pontuados, no próprio instrumento contratual (trust instrument), poderá o settlor acordar se haverá e como deverá ocorrer a remuneração do trustee, em consequência de seus préstimos relativos à administração do patrimônio sob sua responsabilidade.

Em que pese a transferência do patrimônio do settlor para o trustee se dê a título gratuito (não oneroso), isto é, de forma graciosa, entendemos – diferentemente de Marco Aurélio Greco[5] – pela ausência de animus donandi, não cabendo confundi-la com a doação, isso porque a doação envolve uma completa e definitiva transferência do legal title, com redução do patrimônio do doador para fins de incremento do patrimônio do donatário[6], o que não ocorre no caso em apreço, já que o intuito não seria incrementar o patrimônio do trustee.

Já o beneficiary (beneficiário) corresponde, por sua vez, à figura que será detentora do equitable title, podendo ser o próprio settlor ou outrem contratualmente designado, como ocorre, por exemplo, com o cônjuge ou com os filhos herdeiros patrimoniais do settlor (v.g., Testamentary trust).

Desse modo, os benefícios a serem revertidos em prol do beneficiary podem representar tanto o próprio patrimônio em si considerado, como igualmente aquilo que decorre desse mesmo patrimônio (dividendos, juros, royalties, aluguéis, capital gains etc.).

A par dessas figuras, pode coexistir ainda um protector (protetor), cuja regular função pode configurar poder de veto de decisões tomadas por parte do trustee ou podendo-lhe substituir em determinadas circunstâncias.

Importante frisar que não adianta ver o referido instituto, proveniente do Direito anglo-saxônico, à semelhança da constituição de uma pessoa jurídica, como querem inapropriadamente alguns, porque representa algo diverso, que não pode ser interpretado exclusivamente à luz da legislação brasileira.

Exatamente por conta disso, os dispositivos constantes dos artigos 8º e 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) fazem inferir que deve ser aplicada a lei do país em que se constituírem os bens e obrigações contraídas para fins de qualificação jurídica, de forma que o Trust não pode ser desconfigurado em sua essência por parte das autoridades fiscais nacionais, tendo em vista fins eminentemente arrecadatórios.

Nesse sentido, o correto seria falar-se de uma transferência de capital, mas não de uma transferência de renda, haja vista a ausência de algo que decorre do produto do capital ou do trabalho, ou da combinação de ambos, assim como do próprio patrimônio de seu titular. Como bem pontua Ricardo Mariz de Oliveira, ‘(…) o incremento patrimonial que integra a sua base de cálculo deve sempre ser originado de causas das quais participe a própria fonte produtora, que é o patrimônio ou o seu titular[7].

Isso quer dizer que, quando da instituição de um Trust Testamentary, a reversão dos bens e direitos administrados pelo trustee em favor do beneficiário não pode ser vista como uma transferência de renda, o que se reforça pela inexistência de caráter oneroso a ser imputado à transação.  

Supondo que o trustee seja residente no exterior, e o Trust esteja lá constituído, não só no caso de (i) remessa do patrimônio principal, mas também (ii) na remessa dos rendimentos que dele decorrem (v.g., dividendos etc.), entendemos como, ao menos, questionável a incidência do Imposto de Renda sobre tais importâncias quando remetidas ao Brasil, tendo em vista que, mesmo no segundo caso apontado (ii), essas espécies de rendimentos representam antes renda a ser já reconhecida nopaís de residência do trustee. Em França, a título de exemplo, tributa-se o próprio trustee em relação aos rendimentos gerados a partir do Trust, tendo em vista o intitulado ‘princípio da propriedade aparente’.

O fato é que, incidente o tributo lá fora, o rendimento se incorpora ao próprio patrimônio, antes mesmo de ser remetido. Com isso, a adoção de tais premissas levam a crer que os valores remetidos para o Brasil, mesmo que representando originalmente rendimentos passivos do Trust, deveriam ser encarados como capital transferido, e não transferência de renda a partir do exterior.

Por outro lado, em que pese não haver uma efetiva transferência de renda sujeita à tributação, a Receita Federal vem insistindo em ver o referido instituto como veículo proporcionador do fato gerador do Imposto de Renda, por meio de do recebimento de uma renda tributável proveniente do exterior, como se demonstra a partir da Solução de Consulta COSIT nº 41, de 2020, conforme abaixo ementada:

“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF RENDIMENTO RECEBIDO DE FONTE NO EXTERIOR. O recebimento de rendimentos oriundos do exterior por residente no País é fato gerador do imposto sobre a renda e sujeita-se à tributação mensal mediante a aplicação da tabela progressiva mensal (carnê-leão) e na Declaração de Ajuste Anual. Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 43, Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 7º e 8º, Lei nº 7.713, de 1988, art. 8º, Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018) arts. 118, caput, 119 e 120, aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, e Instrução Normativa RFB nº 1.500, de 29 de outubro de 2014, arts. 53, inciso II, e 54. ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL INEFICÁCIA PARCIAL. É ineficaz a parte da consulta que não se refere à interpretação da legislação tributária e aduaneira federal, relativa aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Dispositivos Legais: Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, arts. 1º, 3º, § 2º, e 18, incisos I e XIII.”

De forma bastante restritiva e questionável, a Receita Federal vem, na prática, desconfigurando a real estrutura jurídica do Trust, e tributando quaisquer remessas de valores pelo Imposto de Renda nesse sentido, como se tratassem de rendimentos remetidos a partir do exterior para dentro do País, o que vem sendo alvo de questionamento por parte dos contribuintes no Judiciário.

Por último, importante frisar que o Trust equivale ao que se qualifica, no modelo jurídico romano-germânico (civil law), como negócio jurídico fiduciário, tendo em vista que o termo ‘fidúcia’ nada mais representa que ‘confiança’.  Caio Mario da Silva Pereira, ao tratar da alienação fiduciária em garantia, lecionou que houve o intuito de se ‘(…) introduzir no direito obrigacional brasileiro a instituição do trust, que o direito inglês criou e que vigora com grandes préstimos assim naquele direito quanto no dos Estados Unidos.’[8].

Importante, também, trazer um pouco do tratamento tributário atribuído pelo legislador pátrio à figura daquilo que se denomina por ‘administrador fiduciário’, como se depreende do texto normativo constante do artigo 26 da Lei nº 12.249/2010, que se passa a transcrever:

‘Art. 26.  Sem prejuízo das normas do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ, não são dedutíveis, na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a qualquer título, direta ou indiretamente, a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou constituídas no exterior e submetidas a um tratamento de país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, na forma dos arts. 24 e 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, salvo se houver, cumulativamente:

I – a identificação do efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias;

II – a comprovação da capacidade operacional da pessoa física ou entidade no exterior de realizar a operação; e

III – a comprovação documental do pagamento do preço respectivo e do recebimento dos bens e direitos ou da utilização de serviço.

§ 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-á como efetivo beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.’

Interpretando o artigo 26 da Lei nº 12.249, de 2010, Marco Aurélio Greco pondera no sentido de que ‘se aquele que receber o pagamento for um “administrador fiduciário” este pagamento será indedutível pela pessoa jurídica brasileira que o fizer’[9], de forma que entende que o termo ‘casa como uma luva à figura do trust[10].

Em que pese haver outros requisitos que devem ser cumpridos para que se configure a previsão de não dedutibilidade de tais despesas incorridas para efeitos de IRPJ e CSLL no caso concreto, como se depreende do caput e incisos do artigo 26, deve-se ter em conta que a interpretação produzida por Marco Aurélio Greco não deixa de ter um teor concreto de sentido, notadamente quando implica em situações nas quais se interpõem reais dificuldades na identificação do efetivo beneficiário da entidade presente no exterior.

No que diz respeito ao ITCMD, esse imposto só poderia incidir nas situações em que não fosse cabível a incidência do Imposto de Renda, devendo preencher outros pré-requisitos adicionais para a configuração de seu fato gerador, além do próprio caráter não oneroso da transferência patrimonial.

Como se vê, enxergar o fenômeno exclusivamente pelas famigeradas figuras e institutos jurídicos do civil law não seria o melhor caminho para uma interpretação tributária do Trust, à luz das mais coerentes diretrizes hermenêuticas disponíveis em nosso ordenamento jurídico.

Por fim, muitas outras questões jurídicas podem ser suscitadas acerca do Trust e sua forma de tributação no Brasil, de modo que sempre se torna aconselhável que as pessoas que procuram planejamentos sucessórios e/ou tributários consultem previamente profissionais habilitados para suportar eventual tomada de decisão no sentido de sua constituição.


[1] BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Coimbra: Edições 70, 2009, p. 197.

[2] FREIRE E ALMEIDA, Verônica Scriptore. A tributação dos Trusts. Coimbra: Almedina, 2009, P. 29.

[3] GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 453.

[4] HAYTON, D. J.. The Law of Trusts. London: Sweet and Maxwell, 1998, p. 136.

[5] Idem, p. 453.

[6] FREIRE E ALMEIDA, Verônica Scriptore. A tributação dos Trusts. Coimbra: Almedina, 2009, P. 258.

[7] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 145.

[8] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Volume III. Contratos. Rio de Janeiro: Forense/GEN, 2010, p. 387.

[9] GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 454.

[10] Idem, p. 454.

(Foto: Photo by Vladimir Solomyani on Unsplash)

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Como se tributam as denominadas “criptomoedas” (v.g. bitcoin)?

Publicado por:

Suchodolski

Antes de se questionar acerca do tratamento tributário atribuído às denominadas “criptomoedas” (bitcoin, litecoin etc.), que, em verdade, melhor podem ser classificadas como “criptoativos”, tendo em vista previsão constitucional expressa constante do art. 48, inciso XIV, e art. 164 da Constituição Federal, impossibilitando que se lhe atribua natureza jurídica de moeda, importante antes registrar que, no âmbito da legislação nacional, tramitam na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.303, de 2015, assim como o Projeto de Lei nº 2.060, de 2019, possuindo um maior foco em matérias como defesa do consumidor, ilícito de lavagem de dinheiro e matérias correlatas, mas sem adentrar no tema tributário.

Os países se dividem no tratamento jurídico dado às criptomoedas, seja atribuindo natureza de (i) bem (v.g., Estados Unidos), (ii) moeda estrangeira (v.g., Alemanha) ou (iii) simplesmente não lhe atribuindo natureza legal específica. Com isso, considerando o ‘crescente interesse econômico (sociedades e instituições) nas denominadas moedas virtuais’, o Banco Central do Brasil, no Comunicado 31.379, de novembro de 2017, já havia se pronunciado no sentido de afastar a natureza de moeda de tais criptoativos, deixando claro que estaria fora de sua competência regular ou supervisionar operações com moedas virtuais.

Do mesmo modo, a Comissão de Valores Mobiliários, por meio do Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, entendeu pela impossibilidade de fundos de investimento adquirirem diretamente cirptomoedas.

Mesmo com essa falta de clara e transparente definição acerca da natureza jurídica que deveria assumir tais criptoativos no Brasil, a Receita Federal do Brasil se antecipou em impor tratamento jurídico-tributário às criptomoedas, atribuindo-lhes a categoria de “ativo”, de forma a definir tanto a forma de sua declaração para fins de Imposto de Renda, assim também como deveria eventualmente vir a ser tributada, a depender da transação analisada no caso concreto.

Conforme consta do ‘Perguntas & Respostas IRPF 2021’, ‘Os criptoativos, tais como as moedas virtuais (Bitcoin – BTC, Ether – ETH, Litecoin – LTC, Teher – USDT, entre outras), não são considerados como ativos mobiliários nem como moeda de curso legal nos termos do marco regulatório atual. Entretanto, podem ser equiparados a ativos financeiros sujeitos a ganho de capital e devem ser declarados pelo valor de aquisição na Ficha Bens e Direitos (…)’ (grifos nossos). Deverão ser declarados, portanto, no Código 81 o ‘Criptoativo Bitcoin – BTC’, no Código 82 os ‘Outros criptoativos, do tipo moeda digital, conhecidos como altcoins’, e no Código 89 os ‘Demais criptoativos não considerados criptomoedas (payment tokens)’.

Em que pese a equiparação realizada pela RFB, o fato é que o Superior Tribunal de Justiça vem negando a natureza jurídica de ativo financeiro ao bitcoin (STJ – CC 161.123/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, jul. 28.11.2018), de modo a resultar da interpretação extraída a partir desse entendimento a configuração de ativo verdadeiramente sui generis.

Já a Instrução Normativa RFB nº 1.888, de 2019, passou a trazer a obrigatoriedade de se prestar informações à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em operações com criptoativos, adotando essa acepção à moeda virtual como a mais técnica. Desse modo, assim disciplinou acerca dessa obrigatoriedade:

‘Art. 1º Esta Instrução Normativa institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).

Art. 2º As informações a que se refere o art. 1º deverão ser prestadas com a utilização do sistema Coleta Nacional, disponibilizado por meio do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC) da RFB, em leiaute a ser definido em Ato Declaratório Executivo (ADE) da Coordenação-Geral de Programação e Estudos (Copes), a ser publicado no prazo de até 60 (sessenta) dias, contado a partir da data de publicação desta Instrução Normativa.

Parágrafo único. A Copes deverá também editar e divulgar o manual de orientação do sistema Coleta Nacional no prazo a que se refere o caput.

(…)

Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:

I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e

II – exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.

Parágrafo único. Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços.

(…)

rt. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:

I – a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;

II – a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:

a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou

b) as operações não forem realizadas em exchange.

§ 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

§ 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir:

I – compra e venda;

II – permuta;

III – doação;

IV – transferência de criptoativo para a exchange;

V – retirada de criptoativo da exchange;

VI – cessão temporária (aluguel);

VII – dação em pagamento;

VIII – emissão; e

IX – outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.’

Com isso, atribuído a natureza jurídica de ativo às moedas virtuais, a tributação aplicada pelo Fisco a referidos criptoativos estaria sujeita à regência do regime tributário aplicável aos denominados ganhos de capital, de forma que consta a seguinte explicação do ‘Perguntas & Respostas IRPF 2021’: ‘Os ganhos obtidos com a alienação de ativos digitais, tais como criptoativos ou moedas virtuais (bitcoins – BTC, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600’, de modo que a diferença positiva entre o valor de aquisição e o valor de alienação do criptoativo deverá ser submetida tributação pelo IRPF como ganho auferido pelo sujeito que a detém. Com isso, a mera posse e eventual valorização de mercado da criptomoeda, por si só, não deve gerar qualquer tributação na pessoa física.

Do mesmo modo, ela poderá ser um ativo pertencente a uma determinada pessoa jurídica, sujeitando-se à tributação, a priori, somente quando de sua alienação e por meio da realização efetiva desse ganho. Por outro lado, quando a criptomoeda for negócio principal da pessoa jurídica, deverá ser tida como uma receita operacional dessa mesma entidade, compondo o resultado fiscal da empresa, de modo que não se confundiria com um mero ganho de capital, sujeitando-se, a priori, ao IRPJ/CSLL e ao PIS e à Cofins. Particularmente no que diz respeito às denominadas Exchange, o mais razoável é que se submetam à tributação somente o valor referente às comissões.

No que concerne ao IOF-Câmbio, entendemos que não há que se falar em incidência desse imposto em transações realizadas com moedas virtuais, tendo em vista não se equipararem a moeda estrangeira. Essa é, inclusive, a posição de Schubert de Farias Machado, ao explicar que ‘as criptomoedas não são tratadas pela lei como moeda estrangeira, portanto, a sua comercialização envolvendo a moeda nacional não pode ser considerada uma operação de câmbio.’[1]. Desse modo, sua ‘compra indica disponibilidade financeira, a guarda representa reserva de valor e sua comercialização pode implicar em ganho de capital’[2]. No que diz respeito ao IOF-Títulos e Valores Mobiliários, poderá, em tese, incidir quando da emissão de uma ICO (initial coin offering) quando esta oferta pública gerar direito de participação.

Por último, discussão interessante diz respeito à possível incidência do ICMS nos casos em que a atividade principal da empresa é comprar e revender moedas virtuais.

Em que pese poder fazer sentido, em um primeiro momento, tal raciocínio em prol da tributação, fato é que tal incidência não é pacífica e seria no mínimo questionável juridicamente, tendo em vista diversas particularidades que cercam as regras de tributação vinculadas ao ICMS, conforme dispostas em nosso ordenamento, e que não necessariamente se adequam da melhor forma as transações realizadas com criptoativos.

De fato, a presente apresentação acerca do regime de tributação aplicável às criptomoedas é apenas introdutória, não captando toda a complexidade que a tributação de criptoativos requer hoje, já que não se pode menosprezar transações específicas, como, por exemplo, a permuta de determinadas espécies de criptoativos (v.g., bitcoins) por outras (v.g., litecoins), quando há valorização anterior dos primeiros, de forma que tais casos demandam uma análise específica, notadamente quando a referida transação gera uma espécie de notável ‘acréscimo’ na capacidade contributiva do sujeito, possibilitando, por exemplo, que ele venha a adquirir bens em troca de criptoativos, como um automóvel ou até mesmo um imóvel.


[1] MACHADO, Schubert de Farias. Tributação e novas tecnologias. In.: Tributação e novas tecnologias: software, criptomoedas, disponibilização de conteúdos e inteligência artificial. São Paulo: Vila Areal, p.328.

[2] Idem, p. 328.

(Foto: Photo by Dmitry Demidko on Unsplash)

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