Como se tributam as denominadas “criptomoedas” (v.g. bitcoin)?
Publicado por:
Suchodolski
Antes de se questionar acerca do tratamento tributário atribuído às denominadas “criptomoedas” (bitcoin, litecoin etc.), que, em verdade, melhor podem ser classificadas como “criptoativos”, tendo em vista previsão constitucional expressa constante do art. 48, inciso XIV, e art. 164 da Constituição Federal, impossibilitando que se lhe atribua natureza jurídica de moeda, importante antes registrar que, no âmbito da legislação nacional, tramitam na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.303, de 2015, assim como o Projeto de Lei nº 2.060, de 2019, possuindo um maior foco em matérias como defesa do consumidor, ilícito de lavagem de dinheiro e matérias correlatas, mas sem adentrar no tema tributário.
Os países se dividem no tratamento jurídico dado às criptomoedas, seja atribuindo natureza de (i) bem (v.g., Estados Unidos), (ii) moeda estrangeira (v.g., Alemanha) ou (iii) simplesmente não lhe atribuindo natureza legal específica. Com isso, considerando o ‘crescente interesse econômico (sociedades e instituições) nas denominadas moedas virtuais’, o Banco Central do Brasil, no Comunicado 31.379, de novembro de 2017, já havia se pronunciado no sentido de afastar a natureza de moeda de tais criptoativos, deixando claro que estaria fora de sua competência regular ou supervisionar operações com moedas virtuais.
Do mesmo modo, a Comissão de Valores Mobiliários, por meio do Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, entendeu pela impossibilidade de fundos de investimento adquirirem diretamente cirptomoedas.
Mesmo com essa falta de clara e transparente definição acerca da natureza jurídica que deveria assumir tais criptoativos no Brasil, a Receita Federal do Brasil se antecipou em impor tratamento jurídico-tributário às criptomoedas, atribuindo-lhes a categoria de “ativo”, de forma a definir tanto a forma de sua declaração para fins de Imposto de Renda, assim também como deveria eventualmente vir a ser tributada, a depender da transação analisada no caso concreto.
Conforme consta do ‘Perguntas & Respostas IRPF 2021’, ‘Os criptoativos, tais como as moedas virtuais (Bitcoin – BTC, Ether – ETH, Litecoin – LTC, Teher – USDT, entre outras), não são considerados como ativos mobiliários nem como moeda de curso legal nos termos do marco regulatório atual. Entretanto, podem ser equiparados a ativos financeiros sujeitos a ganho de capital e devem ser declarados pelo valor de aquisição na Ficha Bens e Direitos (…)’ (grifos nossos). Deverão ser declarados, portanto, no Código 81 o ‘Criptoativo Bitcoin – BTC’, no Código 82 os ‘Outros criptoativos, do tipo moeda digital, conhecidos como altcoins’, e no Código 89 os ‘Demais criptoativos não considerados criptomoedas (payment tokens)’.
Em que pese a equiparação realizada pela RFB, o fato é que o Superior Tribunal de Justiça vem negando a natureza jurídica de ativo financeiro ao bitcoin (STJ – CC 161.123/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, jul. 28.11.2018), de modo a resultar da interpretação extraída a partir desse entendimento a configuração de ativo verdadeiramente sui generis.
Já a Instrução Normativa RFB nº 1.888, de 2019, passou a trazer a obrigatoriedade de se prestar informações à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em operações com criptoativos, adotando essa acepção à moeda virtual como a mais técnica. Desse modo, assim disciplinou acerca dessa obrigatoriedade:
‘Art. 1º Esta Instrução Normativa institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 2º As informações a que se refere o art. 1º deverão ser prestadas com a utilização do sistema Coleta Nacional, disponibilizado por meio do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC) da RFB, em leiaute a ser definido em Ato Declaratório Executivo (ADE) da Coordenação-Geral de Programação e Estudos (Copes), a ser publicado no prazo de até 60 (sessenta) dias, contado a partir da data de publicação desta Instrução Normativa.
Parágrafo único. A Copes deverá também editar e divulgar o manual de orientação do sistema Coleta Nacional no prazo a que se refere o caput.
(…)
Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e
II – exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.
Parágrafo único. Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços.
(…)
rt. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:
I – a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;
II – a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:
a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou
b) as operações não forem realizadas em exchange.
§ 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
§ 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir:
I – compra e venda;
II – permuta;
III – doação;
IV – transferência de criptoativo para a exchange;
V – retirada de criptoativo da exchange;
VI – cessão temporária (aluguel);
VII – dação em pagamento;
VIII – emissão; e
IX – outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.’
Com isso, atribuído a natureza jurídica de ativo às moedas virtuais, a tributação aplicada pelo Fisco a referidos criptoativos estaria sujeita à regência do regime tributário aplicável aos denominados ganhos de capital, de forma que consta a seguinte explicação do ‘Perguntas & Respostas IRPF 2021’: ‘Os ganhos obtidos com a alienação de ativos digitais, tais como criptoativos ou moedas virtuais (bitcoins – BTC, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600’, de modo que a diferença positiva entre o valor de aquisição e o valor de alienação do criptoativo deverá ser submetida tributação pelo IRPF como ganho auferido pelo sujeito que a detém. Com isso, a mera posse e eventual valorização de mercado da criptomoeda, por si só, não deve gerar qualquer tributação na pessoa física.
Do mesmo modo, ela poderá ser um ativo pertencente a uma determinada pessoa jurídica, sujeitando-se à tributação, a priori, somente quando de sua alienação e por meio da realização efetiva desse ganho. Por outro lado, quando a criptomoeda for negócio principal da pessoa jurídica, deverá ser tida como uma receita operacional dessa mesma entidade, compondo o resultado fiscal da empresa, de modo que não se confundiria com um mero ganho de capital, sujeitando-se, a priori, ao IRPJ/CSLL e ao PIS e à Cofins. Particularmente no que diz respeito às denominadas Exchange, o mais razoável é que se submetam à tributação somente o valor referente às comissões.
No que concerne ao IOF-Câmbio, entendemos que não há que se falar em incidência desse imposto em transações realizadas com moedas virtuais, tendo em vista não se equipararem a moeda estrangeira. Essa é, inclusive, a posição de Schubert de Farias Machado, ao explicar que ‘as criptomoedas não são tratadas pela lei como moeda estrangeira, portanto, a sua comercialização envolvendo a moeda nacional não pode ser considerada uma operação de câmbio.’[1]. Desse modo, sua ‘compra indica disponibilidade financeira, a guarda representa reserva de valor e sua comercialização pode implicar em ganho de capital’[2]. No que diz respeito ao IOF-Títulos e Valores Mobiliários, poderá, em tese, incidir quando da emissão de uma ICO (initial coin offering) quando esta oferta pública gerar direito de participação.
Por último, discussão interessante diz respeito à possível incidência do ICMS nos casos em que a atividade principal da empresa é comprar e revender moedas virtuais.
Em que pese poder fazer sentido, em um primeiro momento, tal raciocínio em prol da tributação, fato é que tal incidência não é pacífica e seria no mínimo questionável juridicamente, tendo em vista diversas particularidades que cercam as regras de tributação vinculadas ao ICMS, conforme dispostas em nosso ordenamento, e que não necessariamente se adequam da melhor forma as transações realizadas com criptoativos.
De fato, a presente apresentação acerca do regime de tributação aplicável às criptomoedas é apenas introdutória, não captando toda a complexidade que a tributação de criptoativos requer hoje, já que não se pode menosprezar transações específicas, como, por exemplo, a permuta de determinadas espécies de criptoativos (v.g., bitcoins) por outras (v.g., litecoins), quando há valorização anterior dos primeiros, de forma que tais casos demandam uma análise específica, notadamente quando a referida transação gera uma espécie de notável ‘acréscimo’ na capacidade contributiva do sujeito, possibilitando, por exemplo, que ele venha a adquirir bens em troca de criptoativos, como um automóvel ou até mesmo um imóvel.
[1] MACHADO, Schubert de Farias. Tributação e novas tecnologias. In.: Tributação e novas tecnologias: software, criptomoedas, disponibilização de conteúdos e inteligência artificial. São Paulo: Vila Areal, p.328.
[2] Idem, p. 328.
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