Holdings imobiliárias: perspectivas para o seu tratamento tributário
Publicado por:
talquimy
Data: 05.08.2021
A vantagem tributária na constituição de Holdings imobiliárias em nosso País é de muitos conhecida, notadamente no que diz respeito à incidência do Imposto de Renda sobre locação e alienação de imóveis.
Caso o imóvel seja objeto de alienação em futuro mais próximo, convém ser contabilmente classificado como estoque no Ativo Circulante, enquanto que a sua alienação em maior prazo deve atrair a classificação contábil de imobilizado/ investimento no Ativo Não Circulante.
Nesse sentido, importante mencionar que a legislação societária prescreve que (i) os estoques devem ser contabilizados pelo custo de aquisição ou pelo valor de mercado, dos dois o menor (art. 183, inciso II, Lei n.º 6.404/1976); (ii) o ativo imobilizado deve ser contabilizado pelo seu custo de aquisição, deduzido do saldo da respectiva conta de depreciação, amortização ou exaustão (art. 183, inciso V, da Lei n.º 6.404/1976); e (iii) a propriedade para investimento pelo seu valor justo.
Em relação a essa última hipótese, importante mencionar que sua contabilização pelo valor justo do ativo decorre de determinação legal, de forma que a antiga “reavaliação espontânea de ativos” hoje estaria vedada pela legislação após a vigência da Lei n.º 11.638/2007, que alterou a Lei das S.A., como se extrai do entendimento presente na Resolução n.º 1.157/2009, emitida pelo Conselho Federal da Contabilidade (CFC), no seguinte sentido:
“Reserva de reavaliação
127. A Lei nº. 11.638/07 eliminou todas as menções à figura da reavaliação espontânea de ativos.
Assim, prevalecem apenas as menções de que os ativos imobilizados, por exemplo, só podem ser registrados com base no seu efetivo custo de aquisição ou produção.
128. Algumas dúvidas têm sido suscitadas quanto à interpretação de que a não menção à reavaliação não impede que ela seja feita espontaneamente. O CFC alerta para o fato de que a reavaliação está sim, impedida, desde o início do exercício social iniciado a partir de 01 de janeiro de 2008, em função da existência dos critérios permitidos de avaliação para os ativos não monetários.
129. O fato de ter havido mudança de critério de avaliação para certos instrumentos financeiros, que agora passam, conforme sua classificação, a ser avaliados ao valor justo, nada tem a ver com a reavaliação. Avaliação a valor justo e reavaliação de ativos são institutos e conceitos contábeis diferentes, baseados inclusive em fundamentos distintos (valor justo, por exemplo, é valor de mercado de venda, ou valor esperado de fluxo de caixa futuro, enquanto a reavaliação se faz com base no valor de reposição).” (grifos nossos)
Assim, devem-se considerar para esses diversos cenários de contabilização, sempre que recomendado pela normativa contábil/societária, os reflexos contábeis traçados a partir do Pronunciamento CPC n.º 27 (Ativo Imobilizado), do Pronunciamento CPC n.º 46 (Mensuração do Valor Justo), dentre tantos outros.
Voltando à questão da tributação, importante mencionar alguns aspectos relevantes.
Muito já se discutiu acerca da questão relativa à influência da classificação contábil adotada para o ativo para fins de tributação, especificamente acerca da definição da natureza do ingresso (ganho ou receita bruta) e do coeficiente ou percentual de presunção de lucro a ser adotado, de 8% ou 32%, para apuração do Lucro Presumido.
Assim, o mais recente entendimento emitido pela Receita Federal do Brasil (RFB) acerca do tema, na Solução de Consulta Cosit n.º 7, de 2021, foi no sentido de que pouco importa a classificação contábil atribuída ao ativo ou ter sido destinado a outros fins (v.g., locação), para fins de definição do coeficiente de presunção de lucro a ser adotado, devendo prevalecer sobre a atividade que constitui o objeto social da pessoa jurídica (venda de imóveis) o percentual de 8% incidente sobre a receita bruta auferida:
LUCRO PRESUMIDO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. VENDA DE IMÓVEIS. IMOBILIZADO. INVESTIMENTO. RECEITA BRUTA. GANHO DE CAPITAL.
Para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ, a receita bruta auferida por meio da exploração de atividade imobiliária relativa à compra e venda de imóveis próprios submete-se ao percentual de presunção de 8% (oito por cento).
Essa forma de tributação subsiste ainda que os imóveis vendidos tenham sido utilizados anteriormente para locação a terceiros, se essa atividade constituir objeto da pessoa jurídica, hipótese em que as receitas dela decorrente compõem o resultado operacional e a receita bruta da pessoa jurídica.
A receita decorrente da alienação de bens do ativo não circulante, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda, deve ser objeto de apuração de ganho de capital que, por sua vez, deve ser acrescido à base de cálculo do IRPJ na hipótese em que essa atividade não constitui objeto pessoa jurídica, não compõe o resultado operacional da empresa nem a sua receita bruta.
Dispositivos Legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 179, IV; Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, arts. 11 e 12; Lei nº 9.430, de 1996, art. 25; Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 2017, arts. 26, 33, § 1º, II, ‘c’, e IV, ‘c’, e 215, caput e § 14. (grifos nossos)
Em outras palavras, mesmo se os imóveis vendidos forem alugados e classificados como ativo imobilizado (Ativo Não Circulante) dentro do patrimônio, o resultado decorrente dessas vendas de imóveis deve configurar receita bruta para fins de aplicação do coeficiente de 8% do Lucro Presumido.
No contexto de sociedades que atuem na exploração de atividade imobiliária, geralmente se vê como mais adequada a adoção do regime de tributação pelo Lucro Presumido, com a aplicação do percentual de presunção de 8% e, sobre ele, as alíquotas de IRPJ e CSLL, considerando-se uma carga tributária total de 5,93% (15% * 8% + 9% * 12% + 3,65%), somando-se ao adicional de IR, que propiciará uma carga tributária final de aproximadamente 6,73% sobre a receita bruta [(15%+10%) * 8% + 9% * 12% + 3,65%], tendo em vista incidir PIS (0,65%) e Cofins (3%) sobre a receita bruta auferida.
Por outro lado, em caso de não ser objeto ou atividade principal da sociedade (art. 12 do Decreto-Lei n.º 1.598/1977) a alienação de imóveis, deve-se aplicar as regras de apuração de ganho de capital, considerando o custo de aquisição como base para a aferição da parcela a ser tributada a título de IR e CSLL, sem que se submeta a qualquer coeficiente de presunção para fins de aferição do Lucro Presumido. Além disso, não haveria incidência de PIS e Cofins na operação. Nesse sentido, o art. 215 da Instrução Normativa n.º 1.717/2017 assim dispõe:
“Art. 215. O lucro presumido será determinado mediante aplicação dos percentuais de que tratam o caput e os §§ 1º e 2º do art. 33 sobre a receita bruta definida pelo art. 26, relativa a cada atividade, auferida em cada período de apuração trimestral, deduzida das devoluções e vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos.
§ 1º O resultado presumido será determinado mediante aplicação dos percentuais de que tratam o caput e os §§ 1º a 3º do art. 34 sobre a receita bruta definida pelo art. 26, relativa a cada atividade, auferida em cada período de apuração trimestral, deduzida das devoluções e vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos.
§ 2º No caso de atividades diversificadas será aplicado o percentual correspondente a cada atividade. § 3º Serão acrescidos às bases de cálculo de que tratam o caput e o § 1º:
I – os ganhos de capital, demais receitas e resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo caput e pelo § 1º, auferidos no mesmo período, inclusive:
(…)” (grifos nossos)
No mais, em relação às diversas propostas de reforma tributária apresentadas nos últimos anos, importante pontuarem-se algumas questões relevantes que dizem respeito ao tratamento fiscal das Holdings patrimoniais.
Nesse contexto, a questão do ataque do governo a tais vantagens fiscais, que podem ser extraídas quando da constituição de Holdings imobiliárias, não é nova.
Nesse sentido, válido lembrar do Projeto de Lei nº 3.887/2020, que propunha a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) sobre a receita bruta, em substituição ao PIS e Cofins, praticamente inviável a tais Holdings imobiliárias, em relação as quais praticamente não haveria crédito a apropriar, enquanto se substituía a alíquota sobre a receita para 12%.
No contexto, a recente proposta apresentada pelo ministro Paulo Guedes (PL n.º 2.337/2021), em que pese tenha esquecido a questão do PIS e da Cofins, passou a prever – por outro viés – a obrigatoriedade de adoção do regime de apuração do IR pelo lucro real para essas Holdings, tornando mais gravosa a incidência tributária se compararmos com o regime de apuração pelo Lucro Presumido.
Em que pese ter sido excluída tal obrigatoriedade do texto substitutivo apresentado pelo deputado Celso Sabino (relator na Câmara dos Deputados), há uma longa tramitação no Congresso para que a referida proposição seja realmente afastada.
A priori, a proposta também passa a prever uma redução da alíquota de IRPJ dos atuais 25% para 20%, mantendo a alíquota de 9% de Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), passando a tributar em 20% os lucros e dividendos. Assim, no caso de empresas sujeitas ao Lucro Real, haveria um acréscimo de alíquota nominal de 34% (25% + 9%) para 44%.
Nesse contexto, a oneração tributária das operações realizadas por Holdings imobiliárias seria inevitável, gerando sérios prejuízos às pessoas que se utilizam de tais estruturas para fins sucessórios ou de blindagem patrimonial, assim como quaisquer outros fins.
Foto por Sean Pollock em Unsplash