Mais recente entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a incorporação de bens imóveis ao capital social das pessoas jurídicas
Publicado por:
Suchodolski
Em breve retrospectiva histórica, pode-se afirmar que o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”), ou melhor, o tributo sobre a transmissão inter vivos de bens imóveis que lhe era equivalente à época incidia sobre incorporação de bens ao capital social à luz dos textos constitucionais de 1934, 1937 e 1946.
Isso mudou com a redação atribuída a partir da Emenda nº 18, de 1965, sendo posteriormente replicado pelo texto de 1967 e por parte da Emenda nº 1, de 1969, demonstrando uma tendência na manutenção dessa garantia em âmbito constitucional, não se considerando uma novidade em nosso sistema constitucional a partir de então, como se demonstra por meio daquilo que se incorporou ao artigo 156 da Constituição de 1988, assim redigido:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
O fato é que os municípios como um tudo, há muito, vem cobrando o ITBI sobre a valor do bem imóvel excedente àquele que vem sendo subscrito e integralizado como capital social das empresas, mesmo que não se tratem de empresas cujo objeto social seja alienar, locar ou arrendar tais bens, sendo estas últimas hoje excetuadas da imunidade. Isso sob o argumento de que o valor venal, tido como excedente ao valor integralizado, seria a real grandeza que deveria ser utilizada para fins de compor a base de cálculo do referido tributo.
Diferentemente do que muitos vêm afirmando, o entendimento que prevaleceu no acórdão proferido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (“E. STF”), em sede de julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376, proveniente de Santa Catarina, não validou de forma integral o entendimento do Fisco municipal.
No caso concreto apreciado pelo E. STF, tratou-se de tema relacionado à tributação do valor excedente do imóvel correspondente ao ágio na subscrição de cotas ou ações, o que ocorreu devido ao fato de o bem já estar declarado, antes mesmo de subscrito, por um valor acima daquilo do viria a ser integralizado a título de capital social.
Diferente é a situação em que uma pessoa física tem declarado um imóvel, por exemplo, em sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (“DIRPF”) pelo seu valor histórico, correspondente ao preço pago quando de sua aquisição, e o integraliza como capital da empresa por esse mesmo valor histórico, situação na qual não há que se falar em ágio a ser reconhecido na contabilidade da empresa para a qual se venha a transferir o imóvel.
Em outras palavras, o que o Supremo decidiu foi que somente os valores transferidos a título oneroso, isto é, susceptíveis de registro contábil, podem ser considerados para fins de mensuração da base de cálculo do imposto sobre transmissão onerosa inter vivos, mas não montante que sequer deve ser registrado na contabilidade da empresa na qual se venha a incorporar o bem.
Para tanto, no caso julgado pela Excelsa Corte, houve a integralização do capital social por um determinado valor do bem imóvel, e o ágio da participação acionária foi registrado em conta de reserva, conforme já dispunha o ato constitutivo da empresa. Desse modo, a diferença entre o preço dos imóveis e a quantia integralizada foi contabilizada como Reserva de Capital.
Em última análise, pode-se dizer que o valor do bem excedente ao montante histórico, quando não constante de registro anterior, a exemplo da DIRPF, só poderia ser mensurado pela autoridade fiscal por meio de mera presunção ou ficção, podendo assim ser considerado, na melhor das hipóteses, como uma incerta expectativa de ganho, suscetível de eventual realização futura, mas que sequer representa hoje um signo de riqueza do sujeito envolvido na transação.
Por sua vez, a legislação do Imposto de Renda, conforme disciplina a Lei nº 9.249, de 1995, prevê a expressa opção pela integralização do bem por parte da pessoa física pelo valor constante em sua declaração de rendimentos, situação em que não se apura qualquer tipo de ganho tributável, como se depreende da disposição constante de seu artigo 23 e parágrafos:
Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.
§ 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.
§ 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.
Em caso de integralização pelo valor constante da DIRPF, se houver ganho a ser mensurado e objeto de tributação pelo Imposto de Renda, ele será eventualmente reconhecido no futuro somente, quando de sua efetiva realização, sendo no presente momento uma mera expectativa de riqueza, ainda não concretizada.
Embora se tratem de tributos diversos, a lógica atribuída para fins de identificação do fato gerador do Imposto de Renda ajuda a delimitar quais seriam os fenômenos econômicos que regem a referida transação, de forma a se segregar aquilo que se transfere a título oneroso (contabilmente registrável), daquilo que se transfere por meio gracioso, semelhantemente a uma doação.
Nesse sentido, esse valor excedente ao já constante da declaração de rendimentos seria transferido a título gracioso ao patrimônio da pessoa jurídica, e não oneroso (insusceptível de registro contábil), podendo, no melhor das hipóteses, estar sujeito ao ITCMD, mas não ao imposto sobre transmissão onerosa inter vivos, podendo-se instaurar um verdadeiro conflito de competência entre os dois tributos, por se tratarem de entes tributantes diversos (Estado e Município), em que pese ter de prevalecer seu caráter gracioso. Em suma, deve-se diferenciar a situação em que o bem integralizado já estava declarado pelo seu valor de mercado daqueloutra em que foi subscrito e integralizado pelo valor histórico de sua aquisição, conforme consta de sua declaração de Imposto de Renda, tendo em vista que isso deverá definir a existência ou não do pressuposto da onerosidade para fins de incidência do imposto municipal.
(Foto: Photo by Tierra Mallorca on Unsplash)