O Juiz perdeu o prazo?
Publicado por:
Marcos Paulo Passoni
A ideia deste artigo surge ao tomarmos conhecimento de processos que “vivem no escaninho do fórum” ou “paralisados digitalmente” injustificadamente, em tempo morto há meses ou anos, sem a apreciação pelo juízo de pedidos ou requerimentos formulados pelas partes.
Com isto, perguntamos: o Juiz pode perder o prazo? O juiz tem prazo a cumprir? Cabe recurso contra esta postura omissiva?
Vejamos.
O direito à tempestiva prestação jurisdicional afigura-se valor constitucionalmente assegurado na ordem jurídica vigente (art. 5º, LXXVIII, da CF/88). Demais, o direito à prestação jurisdicionao e à ação (art. 5º, XXXV, da CF/88) é indissociável do direito a tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.
A lentidão excessiva do trâmite processual e da própria máquina judiciária implicam em um problema estrutural, no sentido de que há um estado de coisas atual consolidado e este estado eventual precisa ou necessita de ser içado a um estado de coisas ideal desejável.
Nas palavras de Nicolò Trocker[1], “provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tudo têm a perder”. E conclui: “um processo que perdura por longo tempo transforma-se também num cômodo instrumento de ameaça e pressão, em uma arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições da rendição”.
O cidadão jurisdicionado tem o direito à prestação jurisdicional num prazo razoável, sem dilações indevidas provocadas pelo Juiz.
Os prazos aos advogados são chamados de próprios, o que significa dizer que ao não se manifestarem no prazo, o advogado “perde o prazo”, o ato não poderá mais ser feito posteriormente (ou se feito, fora do prazo, não será considerado). Os prazos para os juízes são chamados de prazos impróprios, o que significa dizer que ao serem ultrapassados, isto não implicará em “perda de prazo” para o juiz. Ele o pratica posteriormente.
Fato é que o Juiz tem o dever de não deixar o processo parado injustificadamente e, por mais razão, tem o dever de responder a pedidos ou requerimentos formulados pelas partes.
Mas o Juiz pode ser punido? Vejamos.
A inércia injutificada do juiz não é recorrível porquanto o tribunal, ao receber a Representação apresentada pela parte prejudicada, determinará a intimação do Juiz representado e inérte, por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato.
Caso seja mantida a inércia, também não caberá recurso, pois os autos serão remetidos ao substitito legal do juiz contra o qual se representou para efetiva tomada de decisão em 10 (dez) dias.
Dispõe o artigo 235 do Código de Processo Civil:
“Art. 235. Qualquer parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao corregedor do tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça contra juiz ou relator que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno.
§ 1º Distribuída a representação ao órgão competente e ouvido previamente o juiz, não sendo caso de arquivamento liminar, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade, com intimação do representado por meio eletrônico para, querendo, apresentar justificativa no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 2º Sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, em até 48 (quarenta e oito) horas após a apresentação ou não da justificativa de que trata o § 1º, se for o caso, o corregedor do tribunal ou o relator no Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato.
§ 3º Mantida a inércia, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz ou do relator contra o qual se representou para decisão em 10 (dez) dias.”.
Ao juiz inérte injustificamente haverá duas consequências.
A primeira: a sanção administrativa-disciplinar, na hipótese do excesso de prazo ser injustificado (art. 93, IX da CF), após o pleno exercício do direito ao contraditório e a ampla defesa. Ao ser injusitificado, o magistrado incorrerá no descumprimento do dever imposto pelo artigo 35, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que assim dispõe:
“…
Dos Deveres do Magistrado
Art. 35 – São deveres do magistrado:
I – Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;
II – não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;
…”
A segunda consequência: o envio do processo para substituto legal, para que este novo juízo “pratique o ato” (antes omisso).
Somente se (e apenas se) este juiz substituto não praticar o ato, é que defendemos a possibilidade de interposição de agravo de instrumento (art. 1.015. Código de Processo Civil), fazendo com que o tribunal examine o requerimento ou pedido formulado pelas partes, mas abandonado ilegalmente em primeiro grau. Em paralelo, também se vislumbra a impetração de mandado de segurança contra este ato omissivo e injustificado (artigo 5º, XXXV da Constituição Federal).
Posto isto, finalizando, é possível concluir que o Juiz pode sim perder o prazo, o que caracteriza inaceitável inação judicial e isto se caracteriza tão logo o Juiz exceder injustificadamente os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno, nos termos do art. 235 do CPC, acima transcrito.
Contudo, esta perda de prazo injustificável não é recorrível automaticamente, porquanto o tribunal determinará a intimação do Juiz representado para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato. A interposição de recurso neste caso implicará na falta de interesse recursal.
Caso, ainda assim, seja mantida a inércia injustificada, também não caberá recurso, pois os autos serão remetidos ao substitito legal do juiz contra o qual se representou para efetiva tomada de decisão em 10 (dez) dias.
Se, ainda assim, em último caso, o substituído venha a manter o estado de coisas de inércia e de inação judicial para o caso, o que significaria uma segunda omissão judicial ilegal, a nosso sentir, não restaria outra situação, senão, a interposição de agravo de instrumento ou, em último caso, caso este seja considerado inadmissível, a impetração do mandado de segurança.
Referências Bibliográficas
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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalvanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV, edição, São Paulo: Editora Forense, 1974.
[1] Trocker, Nicolò. In Processo Civile e Constituzione, p. 276/277
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